segunda-feira, 30 de maio de 2016

Todo homem e toda mulher é uma estrela!

  Quarta-feira, meio dia. Chego do curso e abro a internet. Vou no twitter ver as novas notícias, e me deparo
com um assunto nos trending topics. O assunto era sobre um vídeo vazado onde mostrava uma menina desacordada, que supostamente foi estuprada. Não vi o vídeo, e me recuso a ver.
  Ao longo dos dias a história vai crescendo e se desenrolando. É dito que foram 33 homens que a estupraram, que ela foi drogada pelo namorado e que foi deixada nua a própria sorte. Logo depois aparecem áudios onde é revelado que a garota era uma "maria fuzil", que se drogava e pediu para transar com tais pessoas.

  Ok. Aqui começa uma discussão sobre ser ou não ser um estupro. A balança pesa para os dois lados, e a análise das evidências é confusa. Muitos já levantam a bandeira culpando a vítima, defendendo a idéia de que ela quis aquilo e que não deveria nada se meter nesse meio. No outro lado temos a bandeira que defende a menina, dizendo que nada justifica o ato e que foi sim estupro.
  Eu sempre tendo pela razão. Sempre tendo a olhar os dois lados, e tentei analisar calmamente a situação, embora meu estado emocional para esse caso tenha sido abalado. Tive que ouvir amigos dizendo "bem feito" para a garota, e afirmando que participariam do estupro. Sim, isso é terrível! E esse pensamento é mais comum do que parece.
  Nem preciso dizer que minha opinião é em defesa da vítima, nem preciso dizer que sou contra o estupro. Isso deveria ser idéia básica na mente de qualquer pessoa sã. Mas escrevo esse texto, numa tentativa de organizar minhas próprias idéias sobre, enumerando fatos para uma melhor explicação. Vamos a elas:


1 - Nenhuma mulher merece ser estuprada.
Isso é óbvio, mas precisa ser repetido milhões de vezes: nenhuma mulher merece ser estuprada. Independente de sua roupa, classe social, religião, lugar onde habita, situação... Sob nenhuma circunstância, nenhuma mulher merece ser estuprada. Mesmo que ela seja uma "vagabunda", usando um termo pejorativo, é um direito dela, e ela faz o que quiser com o corpo, o que não dá o direito de outros homens fazerem o mesmo. Todos devemos ser livres pra fazermos o que quisermos, desde que nossa liberdade não vá contra a liberdade de QUALQUER outro ser vivo. A menina do caso vivia na favela, usava drogas e se relacionava com bandidos. Ela merecia ser estuprada? Não, obviamente. Porém, nossos jovens não sabem disso. Eles não tem a mesma educação moral que eu tenho, por exemplo. E isso também não os isenta de culpa. O fato de você não saber que é crime não lhe torna inocente - embora eu defenda uma chance de retratação.

2 - Nenhuma pessoa tem o direito de espalhar a intimidade alheia para terceiros.
E esse ponto é importante aqui, pois muito se falou do estupro e pouco das fotos e vídeos que pipocaram na internet. Ambos para mim tem o mesmo peso. Ora, a garota ficará marcada para sempre, exposta. Uma vez na internet, sempre na internet. Já era. Não tem volta. E agora? Sua intimidade foi exposta, ela será motivo de chacota, sua vida profissional, emocional e mental pode estar corrompida. Falo isso me baseando em casos anteriores. Claro, não vou citar nenhuma menina viva em respeito aos seus nomes, mas um caso famoso foi de Amanda Todd, que infelizmente se matou vítima de ameaças e chacotas. Ela teve fotos nuas sendo expostas da internet, vazadas para seu círculo de amigos, teve sua vida destruída por perseguições e piadas, e teve uma morte trágica. Isso mata, isso destrói. E nenhuma pessoa tem o direito de fazer isso com ninguém. A cultura do 'nude' está por aí, e muita gente compartilha sua intimidade na rede. Isso por um lado é bom, pois desperta a sexualidade de uma sociedade que há anos foi 'castrada', mas por outro, há o perigo de cair em mãos erradas. Queremos acreditar que todos que compartilham nudes estão em plena consciência de seus atos, e que responderão com responsabilidade caso haja um problema, mas isso não é verdade. Nem todo mundo tem a estrutura emocional forte o suficiente para lidar com um problema de tal natureza, e pior: ainda mais quando o problema vem de alguém que não é você. Quando um terceiro te expõe sem seu consentimento, sim, isso é um tipo de estupro. Você está violando a liberdade alheia. Pornôs de vingança, onde ex namorados jogam vídeos de garotas que eles terminaram na internet... Isso é terrível!
No caso da menina, filmaram ela nua, drogada, inconsciente. Expuseram ela, e mais: fizeram piada com sua situação. Compartilharam fotos e vídeos, e agora o país inteiro, e o mundo, sabem de sua nudez. A garota não tem consciência disso, ela ainda não se tocou na dimensão do caso, e isso talvez possa ser bom. Se um dia ela se tocar, o pior pode acontecer.

3 - A definição de estupro.
Há a calorosa discussão: foi ou não estupro? Para isso precisamos definir o que é estupro de uma vez, já que pelo que parece muitos não sabem.
Estupro, para a maioria das pessoas é o ato de um homem (ou mulher) obrigar uma outra pessoa a ter relações sexuais contra sua vontade. Em geral é um ato violento e que deixa marcas na vítima. Marcas tanto físicas quanto psicológicas/emocionais. Embora essa seja a definição clássica, não é a única, e nem a mais comum. O estupro vai além desse ato agressivo. Estupro é todo ato que força alguém em um ato sexual, direta ou indiretamente. Em baladas, é comum homens embebedarem mulheres para que elas fiquem mais "fáceis" para eles transarem. Se a mulher não tiver plena consciência de seus atos, é um estupro sim! Ainda que ela 'aceite' por estar bêbada, pode ser que no dia seguinte ela se lembre e perceba que na verdade não queria, mas por causa bebidas alcoólicas, ela acabou cedendo. Isso é estupro, e pior: é extremamente comum. Muitas mulheres sofrem esse abuso todos os dias, mas como não tem esse conhecimento, não são capazes de denunciar, ficando de mãos atadas, e acabando culpando a si mesmas por terem sido ingênuas. Nem os homens sabem disso. Praticam o ato com a maior normalidade, sem saber que estão sendo extremamente babacas. Tudo por causa do machismo enraizado. Tudo por causa da cultura de estupro, que é velada,  que ninguém fala.
Posso incluir aqui também os abusos sexuais. Chantagens em troca de sexo, drogas em troca de sexo... Lembro-me que na escola era comum alguns garotos ofertarem ajuda com trabalhos em troca de favores sexuais. E as meninas riam, achavam engraçado. Isso não é engraçado, é doentio. Antes também achava engraçado, mas antes eu não sabia. Não tinha a informação que tenho hoje, e muitos homens também não o tem. E é por isso que devemos expandir essa definição, para que muitos outros saibam, e a cultura do estupro diminua.
Sobre a menina: Foi dito que nas favelas não acontece estupro, que é proibido. O problema é o que disse acima, o estupro forçado é proibido. Mas o abuso acontece, o aproveitamento sexual acontece... E tudo isso são níveis de estupro. São desrespeitosos, são abomináveis. Os bandidos da favela não sabem que isso é estupro, não o classificam assim. Para eles isso é normal, faz parte da vida. Eles estão inseridos na cultura do estupro, no machismo. Para eles mulheres são propriedade, objeto. Tratam como querem, da maneira como querem. A menina foi deixada nua, de qualquer jeito, sem nenhuma cerimônia. Foi estuprada desacordada, filmada, humilhada. Foi tratada como um lixo, como um nada. Não me venha dizer que eles "respeitam" as mulheres só porque "combatem" o estupro. São estupradores, sem saber, mas são.

4 - "A mulher tem que se dar o valor."
Eis uma falácia. Quem somos nós para determinar isso? Ora, cada pessoa deve sim ter em mente valores comportamentais, afinal vivemos em sociedade. Algumas roupas em alguns lugares não são socialmente aceitáveis, assim como a etiqueta comportamental. Só que cada pessoa é livre por natureza. Livre para expressar sua vontade de acordo como bem entende. E como já disse acima: todos somos livres para fazermos o que quisermos desde que nossa liberdade não vá contra a liberdade alheia. Esse é o princípio do Anarquismo, e eu sei que a maioria das pessoas não está pronta para lidar com tal idéia em prática, mas paciência. A questão aqui é que nós, em geral, acabamos por 'tomar conta' demais da vida alheia. Nós, como não conseguimos administrar nossa própria vida, tentamos em vão administrar a do outro. Seja de nossos filhos, parentes, amigos, de celebridades... A lista é longa. Todos conhecemos gente fofoqueira, invejosa, que vive falando mal dos outros, falando das roupas que vestimos, do estilo de cabelo que usamos. Falando de nossa religião pouco ortodoxa, da nossa maneira de expressar sexualidade. Criticam nosso intelecto, ou a falta de intelecto alheio (e aqui eu me encaixo, admito).
Não é de se esperar que haja alvos fixos para essas pessoas, e advinha quem acaba se tornando? Sim, as mulheres.
Antes de continuar eu devo dizer que durante toda a história - caso o leitor não saiba - as mulheres viveram suas vidas às escondidas.Digo, viveram à sombra de um homem, viveram nos bastidores. Eram sempre as coadjuvantes, enquanto os homens, os protagonistas. Você talvez possa pensar que era essa a escolha das mulheres. Mas não era. Na verdade as mulheres nem sabiam que tinham tal escolha. Para elas aquele era seu lugar, como "jovem, recatada e do lar". Os homens com seu machismo e ideias patriarcais, castraram qualquer atuação feminina em nossa sociedade durante séculos! Olhe para nossa história e veja quantas mulheres temos na política, ciências, eventos significantes... Poucas, muito poucas. Só agora - e com muita dificuldade - é que as mulheres estão começando ter algum espaço, e esse espaço que elas recuperam acaba por deixar muita gente com raiva.
As pessoas tem medo da mudança, medo do que pode acontecer. Medo da revolução, da revelação, do apocalipse. Qualquer mulher que tente sair da prisão machista imposta pela sociedade é rapidamente combatida, da mesma maneira que glóbulos brancos combatem um vírus. E esse combate se expressa dessa forma principalmente: diminuindo as mulheres, na esperança de fagocitar sua vontade, obrigando-a a voltar ao ninho.
Uma mulher usa batou vermelho, saia curta, botas grandes, sai à noite? É puta, eles dizem. Sempre diminuindo, sempre humilhando. Mas seria mesmo?
Como um batom, uma roupa e uma festa podem determinar a atuação sexual de uma mulher? Não pode, obviamente. Então que valor é esse que todos pregam que a mulher tem que se dar? Uma mulher de valor é aquela que vive nas costas de "seu homem"?
Para mim, e para muitas, uma mulher de valor é aquela com coragem, atitude, que não tem vergonha, que conhece seu corpo, que vai à luta, que faz e acontece. Faz o que tu queres que há de ser o todo da lei!
Eis a máxima, pois é simples: ninguém pode ser julgado pela sua aparência ou a falta de dela, mas sim pelos seus atos. Que todos olhem mais no espelho antes de julgar alguém. Falar isso é mais fácil, e escrever isso aqui não muda o mundo. As pessoas continuarão a ser peçonhentas. O que fazer? Ou você discute, o que creio que não leva a nada, ou você ignora. O silêncio é a melhor resposta sempre, pois quem discute com cães só aprende a latir mais alto.

5 - Feminismo como salvação.
O feminismo nasceu há algum tempo, e admito que não falarei muito sobre. Não por não ser capaz, mas por ser homem, e como homem, respeito o movimento feminino. Mas prosseguindo brevemente: o feminismo nasceu há algum tempo, bem mais tempo que muitos julgam saber. O feminismo nasceu com as bruxas pagãs, com as tradições antigas. Nasceu com a afirmação feminina como resposta ao patriarcado que se apresentava no horizonte. Antes disso o feminismo era apenas... a vida. Era uma manifestação natural, que não precisava ficar em evidência por não haver necessidade.
Hoje, o feminismo é o movimento que tenta recuperar o papel da mulher na sociedade, e não só isso: o feminismo é a melhor e mais eficiente arma contra o machismo - o câncer que se espalhou entre nós.
O feminismo salva vidas, liberta, ensina, purifica. Só que por causa do machismo, há uma grande ação para difamar o movimento. Muitos o distorcem, ironizam e o silenciam. E por causa de movimentos feministas mais radicais, a situação só piora. O entendimento que muitos tem de feminismo são mulheres vulgares, "feminazis" e peitos de fora. Tais pessoas desconhecem a ação do feminismo contra estupro e abuso sexual. Se toda mulher tivesse o conhecimento que o feminismo divulga, talvez o machismo tivesse muito menor hoje (não acabado, porque os homens também teriam que aprender sobre feminismo).
Hoje eu perdi a esperança no mundo, por um breve momento. Achei que toda a luta foi em vão. Achei que o machismo era um monstro indestrutível. Mas isso foi só por algumas horas. Parei para pensar na explosão que foi o feminismo na modernidade, com a internet e a divulgação rápida. Até 5 anos atrás as feministas eram raras. Hoje, se encontra uma em muitos lugares. E cresce cada vez mais. 2015 foi considerado o ano feminista por alguns portais, e 2016 pode ser muito maior. Eu ainda tenho esperança, e o feminismo é sim nossa única salvação. Com o feminismo, estupros como esse serão cada vez mais denunciados e suas vítimas terão o devido apoio. Com o feminismo, mulheres ganharão força para expressarem sua vontade, sem medo de serem julgadas por outras pessoas. Espero que no futuro mulheres ganhem mais espaço nas ciências e nas políticas - embora nosso futuro pareça negro. Engraçado que no início desse texto eu estava morto, sem esperança, e passei o dia inteiro pensando e escrevendo. E agora eu tenho.

  E por causa de tanto tempo passado, perdi a linha do raciocínio. Comecei falando da garota estuprada, e terminei falando de esperança. Não sei mais o que escrever, e talvez nem deva mesmo. Esse texto lavou minha alma.


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