domingo, 15 de novembro de 2015

Aborto

Você é a favor do aborto? É engraçado, mas essa pergunta me incomoda. Ora, ninguém é a favor do
aborto em si - pelo menos ninguém em sã consciência. A pergunta correta seria: Você é a favor do direito das mulheres de escolherem terem ou não um filho?
Muito melhor. Afinal, é essa a idéia mesmo, caso contrário, iria parecer que somos assassinos de bebês, jogando-os para os crocodilos no rio.

E minha resposta é: Eu sou a favor do direito das mulheres de escolherem terem ou não um bebê.
Antes, no entanto, eu era contra. O motivo? Religião.
O cristianismo é basicamente contra o aborto, disso não podemos discordar. Alegam que o aborto vai contra a vida, ponto. E disso também não podemos discordar; mas falo disso mais adiante.
O ponto aqui é um seguimento do cristianismo na qual fazia parte: o espiritismo.




No espiritismo há a idéia da reencarnação, e que espíritos ficam no plano astral esperando para reencarnar. Quando finalmente tem a chance, mergulham no plano terreno, como bebês, prontos para mais uma nova vida, cheia de novas experiências, onde poderão resolver assuntos que estão pendentes em sua consciência.

Olhando por esse ponto de vista, o aborto seria um crime gravíssimo, pois o espírito seria retirado do plano físico antes mesmo de nascer! Toda a chance dele de reparar seus erros seria perdida. Tudo porque sua mãe terrena foi ~cruel~ em matá-lo. Segundo os espíritas, o karma gerado pela feitura do aborto é grande.
Visto isso, eu, em minha adolescência, logo levantei a bandeira contra o aborto (o mais cruel dos crimes).
Claro que antes não conhecia o feminismo, mas vamos com calma.

O cristianismo e outras religiões monoteístas são a favor da vida, e uma vez que o aborto tira a vida, eles são declaradamente contra. Ok.
Mas há um ponto em que as religiões - e grande parte dos contra-aborto - não consideram: a mãe.

Imagine que uma mulher viva uma vida simples, com um emprego bem básico, com contas a pagar até o pescoço, tendo que vender o almoço pra comprar a janta. Ela conhece um homem, aparentemente um bom partido. Se apaixona, transam, e ela engravida. Tudo certo, tudo bonito, não? É a natureza... Só que o homem resolve não assumir a criança, e some da vida dela.
A mãe, desesperada, recorre à sua família, mas não tem apoio. Dos amigos também não encontra ajuda. O que ela faz? Terá que cuidar da criança sozinha. Mas isso não é tão simples: uma criança gera muitos gastos, muito mais que aquela mãe pode pagar. E a questão nem é só o dinheiro: quem cuidará da criança quando a mãe trabalha? Ninguém...
E mais: será que a mãe tem o preparo psico-emocional para ter um filho? E se a mãe não aguentar a pressão? Também temos que considerar o nível de sabedoria adquirido pela mãe. Ela tem a capacidade intelectual de educar a criança? Ou simplesmente deixará a criança pela própria sorte?

Há muitos problemas aqui, muitos mesmo. Talvez a mulher tenha o sonho de ter um filho, mas ela sabe que será difícil. Seria lindo, lindo mesmo, se ela conseguisse batalhar, ir contra a tempestade e transcender tudo. Seria lindo se ela conseguisse criar o filho num ambiente perfeito, mesmo com pouco dinheiro, dando uma educação exemplar, e com seu esforço, mostrando para o mundo que uma mulher é sim capaz de criar uma criança sozinha. Seria lindo...

Mas veja: há mulheres assim. Muitas mulheres, mas não são todas. Na verdade, a maioria não consegue esse feito. Infelizmente. E nem há como culpa-las.
A possibilidade de fazer um aborto deveria ser apresentada. A vida de um bebê é valiosa, mas a da mãe também é - e a vida desta já está formada, desenvolvida... Eu entendo que é triste a morte de uma possível criança, mas às vezes é preciso fazer sacrifícios.
Em uma empresa, o setor de RH tem a função de demitir funcionários para economizar dinheiro, salvando o todo (a empresa). Comparar uma empresa com a vida de uma criança não é o correto, mas a idéia é a mesma. Às vezes é preciso abrir mão daquilo que amamos pra seguirmos em frente.
Uma mãe ainda poderá, no futuro (quando estiver mais estruturada) gerar novos frutos.

Ainda há os casos de estupro, que geram filhos. Como ficaria uma mulher, gerando uma criança de um homem que ela não ama, de um homem que ela não conhece, que abusou dela, com violência?
Vejo por aí os cristãos defendendo a vida, condenando o aborto, mas não vejo nenhum deles ajudando uma mãe solteira com sua cria, sozinha. E se há cristãos ajudando, são muito poucos.
Há muito papo, muito gogó, mas pouca ação.
O aborto deveria ser uma possibilidade, um direito da mulher. A vida é importante, mas a vida em todo seu explendor, acima de tudo. Uma vida não desejada por acabar em maus caminhos.
Repito: há exceções, sempre haverá. Mas a realidade é cruel, e com ela não se brinca.

E no caso do espiritismo e seus espíritos desencarnados: É triste, mas eles precisam entender isso. Uma mulher não pode desconfigurar toda sua vida por causa de uma nova vida, não deveria ser assim. Uma vida é motivo de comemoração, de alegria, não de tristeza ou sofrimento. Sempre há novas chances de encarnar, a fonte da vida nunca seca - e não pense que com o aborto legalizado as pessoas vão ficar abortando direto. Não, isso não existe, e nunca será  assim. Aborto não é assassinato (na maioria dos casos), aborto é um sacrifício para o bem maior (quando usado pelos motivos certos).

PS: Só citei aqui os casos que realmente o aborto se faz importante. Não preciso falar aqui de abortos de nove meses, que são bem ridículos. Uma mulher (e um homem também), acima de tudo devem ter a responsabilidade com as práticas sexuais, ponto. Se não tem essa capacidade, é melhor nem transar.
Se uma adolescente engravidou, o casal foi irresponsável. Poderia dizer que eles deveriam ter o filho, pra aprender a ser adulto, mas eu sei que a carga vai cair nas costas dos avós, em muitos casos. É por isso que cada caso é um caso, e deveria ser analisado com calma. Mas o aborto deve sim ser uma possibilidade.

UPDATE:

Encontrei esse vídeo, do Dráuzio, que é excelente:


Um comentário:

  1. Além disso, é um problema definir quando começa a vida no útero, até mesmo legalmente.
    O que define uma pessoa como um ser humano, além do corpo? As memórias, a identidade, e tudo isso foi construído pela experiência. Um feto não tem nada disso.

    Podemos dizer que tem alma e consciência, se partirmos de princípios metafísicos. Mas e antes da formação do sistema nervoso, quando sequer é capaz de sentir dor, pelo menos como a entendemos?

    E se partirmos do ponto de vista puramente biológico, desde a fecundação, há vida. Mas é uma vida celular. Isso tem tanta importância e peso, humanamente falando? Matamos bactérias diariamente e ninguém tem dor na consciência. No caso de uma mórula ou blástula... é apenas uma massa de células pouquíssimo diferenciadas. Okay, com potencial para manifestar uma consciência, mas ainda é só potencial. Se formos analisar materialmente, e apenas materialmente o objeto em si, não é mais vida do que um tumor, por exemplo. Sem as implicações do mesmo, é claro.

    Ou seja: é realmente comparável ao assassinato?

    A própria pílula do dia seguinte, até então vendida livremente, é abortiva. Camisinha e anticoncepcional podem falhar simultaneamente. É uma chance pequena, mas pode acontecer. E aí? Dane-se o planejamento familiar porque tu foi o azarado de cair no 1% fora da curva?

    A agressividade da pílula do dia seguinte e do aborto (já que ferram o corpo feminino se você abusar) já deve ser o alerta suficiente de que isso deve ser deixado para última opção. Se há quem faça uso (principalmente da pílula) indiscriminado, a solução é instrução, e não restrição.

    Isto posto, acredito também que deve haver consequências espirituais e psíquicas do aborto, tanto pra quem sofre quanto pra quem faz (os "médicos"), mas que cada caso é um caso, e o que é certo e saudável em uma situação não o é em outra. Porém, acredito também que as pessoas devem ter liberdade para errarem e sofrerem as consequências sutis sem interferência social, a menos que fira realmente o direito de outras pessoas (como no homicídio, estupro, etc)

    Se adotarmos a cosmovisão do espiritismo, a entidade a encarnar no embrião é tanto aquele chumaço de células quanto era seus corpos anteriores. Ou seja, como disse Krishna, o Espírito não nasce nem morre. É um mimimi desnecessário, por parte dos espíritas e espiritualistas.

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