sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O temível Dragão de Névoa

  O samurai urbano se prepara para um desafio, talvez um desafio mortal.
  Durante toda a sua vida, o samurai teve que viver escondido, com vergonha, pelo fato de não aceitar a si mesmo como é. Era tímido, quieto, introvertido. Não se engane, pois, o samurai ainda é assim! Só que agora é diferente...

  O samurai urbano cursa Radiologia. O samurai urbano é tímido, não gosta de falar. Prefere ficar na sua, aprendendo sozinho, crescendo sozinho. Vê nos outros um problema: eles não são como o samurai urbano.
  Alguns apresentam características semelhantes a ele, mas são diferentes; o samurai urbano sabe, o samurai urbano vê.

  No curso, que parecia inofensivo, o samurai reconhece um problema: ele precisa sair da sua zona de conforto, do seu covil interior, e interagir com os demais membros do curso. O samurai não quer isso, mas lhe é cobrado assim - e por causa das regras de etiqueta que ele sempre carrega consigo, assim ele faz.

  Pretendia não fazer amizades, mas falhou, foi preciso fazer. Ainda mantém a promessa de não fazer amizades profundas, mas não sabe se cumprirá. Ele sabe que fará o possível.
 
  O que interessa pra essa história é: em um momento, o samurai urbano se vê num grupo de amigos, com a qual fará um trabalho em conjunto. Por causa de experiências anteriores, a astúcia do samurai lhe diz que isso é furada, e que ele sempre vai se dar mal. Mas não há outra escolha: é fazer isso ou ser reprovado.
  E como ele é um samurai, ele reconhece o valor de um sacrifício. Será somente um dia, um momento. Quem é o samurai parante todo o universo? O universo tem bilhões de anos, e o samurai irá apresentar o trabalho em grupo por, no máximo, dez minutos. Um pequeno sacrifício. Quantos não passaram por coisa pior?

  O problema é o peso. Aquilo era o Dragão para o samurai, o abismo. Era seu bicho-papão, seu rival, sua sombra. A vergonha, a timidez, a insegurança. Tudo pairava nesse trabalho. Mas não havia escolha, ele tinha que enfrentar.

  No fim, o samurai teve uma resposta. Talvez um alívio dos deuses da timidez: a professora do curso aliviou a barra dos alunos e, não sendo mais preciso apresentar na frente da turma, seria feito uma roda com as cadeiras e todos trocariam idéias. O samurai sente um alívio. O Dragão não era tão poderoso assim, afinal. Seria fácil.

  O dia fatídico chega, e o samurai passara horas antes estudando com afinco. Ele dedicou toda sua sapiência no assunto. Aprendeu todas as artes secretas do tema abordado pelo seu grupo - e armado com sua espada intelectual e sua armadura da segurança, ele foi para a aula.
  Diante de uma chuva torrencial, o samurai urbano caminhava, e a cada passo, ele martelava seu discurso na mente. Não podia falhar, não podia gaguejar, não podia nada.

  Ele chega na aula, e se aquece na sua cadeira. Um a um, os outros membros do curso vão chegando. E um a um, os membros do seu grupo também. O samurai os cumprimenta, e ele sente o nervosismo deles. Na verdade, no ar da sala paira uma certa tensão. O samurai nunca foi o único a ter medo: todos ali tinham. Embora não fossem samurais... Mas eram humanos. E o samurai urbano assim também era. Nesse ponto, eles são iguais.

  A professora organiza a sala em círculos, e os grupos vão começando. O samurai vê o terror nos olhos de seus amigos. Ele não diz nada. Abre seu caderno e relê suas anotações.
  Os grupos começam a ler o trabalho. Ler, literalmente. Abrem seus trabalhos xerocados e começam a ler, como um discurso que não foi ensaiado, como se tivessem lendo a Bíblia, sem nenhuma cerimônia.

  O samurai urbano não entende. Aquilo era um seminário, não um grupinho de Alcoólicos Anônimos. Ele sabe que tem uma coisa errada, ele sabe. Ele estudou a finco a madrugada inteira. Ele se preparou, treinou, ensaiou, teve medo, teve frio, teve fome. Não era certo. Cadê o Dragão, afinal?
  Ele entendia a misericórdia da professora em dar essa abertura aos alunos, mas ele havia sido criado no Rigor de Geburah, com ele, era matar ou morrer. Ele sabia o que tinha que fazer, como jamais soube antes. Se lembrou das palavras do amigo Comentarista: "Vá, na cara de pau!" e ele soube que o Dragão dele o esperava. Não um Dragão como os dos outros; os deles eram os Dragões de humanos. Para os samurais havia outros Dragões.

  Então quando chegou a sua vez, todos os olharam. O samurai sabia, muitos ali o achavam tímido, muitos ali conheciam suas fraquezas. Mas não conheciam suas qualidades. E no meio dos humanos que achavam que ele iria falhar, o samurai urbano se levantou. Caminhou até à frente de todos, deixou o caderno de lado e começou sua aula, que havia treinado incansavelmente em sua mente.
  Ouviu vozes de surpresa, e olhos arregalados. Ninguém imaginava que ele se levantaria e enfrentaria o Dragão, sozinho, como ninguém havia feito antes. Ele sentiu que era um herói, e sua armadura da segurança brilhou forte, e ele sabia que estava em casa (câncer - o carro). Deu sua aula. Nervoso, sim, mas de pé. E quando terminou, o Dragão estava no chão, já morto, e os membros da turma o aplaudiam, de uma maneira especial, como não aplaudiram ninguém.

  O samurai soube que saíra vitorioso. E o momento depois da batalha foi o mais confortador de todos. Ele sabia que todo o sacrifício tem uma recompensa, e agora ele estava mais forte.
  O Dragão morreu, naquele dia, mas ele sabe que o Dragão voltará. Cedo ou tarde, ele voltará. Mas quando voltar, o samurai urbano estará pronto, pois agora ele sabe as manhas. Agora ele sabe como ser um herói.

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