quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Aquário na cabeça

  Em uma tarde chuvosa, uma garotinha de apenas onze anos se dirige à biblioteca de sua cidade. Como uma boa leitora, ela cria rapidamente seu cartão na biblioteca e leva pra casa livros de autores famosos, como Agatha Christie, Júlio Verne, Bram Stoker, Mary Shelley e J.R.R.Tokien. Tudo isso sem pagar nada, afinal a biblioteca é pública, tendo como regra apenas a devolução do livro em um tempo específico.
  A garotinha devora suas obras prediletas, e assim que termina, já devolve e escolhe outros livros que jamais leu. Outros frequentadores da biblioteca acabarão por pegar os mesmos livros que ela e se maravilharem também. No final de um ano, um livro bem popular foi emprestado pelo menos trinta vezes! Foram trinta leitores que não pagaram nada pelo livro, apenas assumiram o compromisso de, assim que terminarem de ler, devolverem.
  Desses trinta leitores, pelo menos três devem gostar tanto do livro que tenderão a comprar uma cópia em uma livraria próxima, apenas para exibir em sua prateleira doméstica. Dos trinta que pegaram o livro - de graça - na biblioteca, somente três deram algum lucro para o autor da obra, e mesmo assim tais livros comprados podem não ser mais lidos, ficando esquecidos em armários empoeirados. Vida triste, essa dos livros domésticos. Antes ser um livro de biblioteca.



  Pois assim é a vida de um escritor. Este escreve suas obras para serem lidas, não para serem esquecidas. Um autor deseja contar sua história para o máximo de pessoas possíveis. Ganhar dinheiro com isso é uma consequência disso. Ganhar dinheiro não é nada perante a satisfação de ter pessoas comentando sobre sua obra. Ou pelo menos deveria ser.
  Se você vive em uma realidade paralela à minha e não sabe do que estou falando, explico: Em nossa era moderna houve um problema com uma grande parte dos escritores. A maioria escreve livros para ganhar dinheiro, se espelhando em obras famosas por aí. Com ênfase na recompensa e não na arte, temos resultados cada vez mais catastróficos - vide alguns tons de cinza.
  O mesmo se aplica aos filmes, a sétima arte. E o mesmo às músicas. Ainda não chegamos às pinturas pois tivemos sorte dessa parte ter ficado para os cults.
  Todos querem o money, o cash, o verde, o ouro, a grana, a fama. Poucos são aqueles que fazem por amor, e que fazem de verdade.

  Em meio a tanta competição, tanta falsidade e porcaria, como saber qual livro, filme ou música é a "melhor"?. Como saber qual conteúdo é mais verdadeiro, que mais lhe toca no fundo da alma, que mais foi feito por amor e com dedicação? Há alguns anos não tinha jeito, era tentativa e erro. Era olhar nos jornais a indicação dos críticos, era a indicação de amigos, ou tentando achar na sorte mesmo. Ainda é assim, não duvide. Porém hoje temos a internet para nos auxiliar.
  Hoje tudo é mais rápido, fácil e fluido. Hoje um artista lança uma música e no mesmo dia já podemos conferi-la no YouTube. Mas vou além de plataformas simples. Toco no fundo da internet, na área que ninguém quer tocar. Vou na baía dos piratas. Lá posso baixar o filme que quero ver, a música que quero ouvir, o livro que quero ler... Tudo de graça. Posso avaliar se o conteúdo é bom ou não. Se for bom, posso comprar, se não, eu apenas descarto.

  Alguns rapidamente podem se adiantar e dizer que tal ato é um crime, pois estou quebrando os direitos do autor, e estou prejudicando a economia - e prejudicando também o autor. Porém isso não é verdade, e cito os motivos:

1 - Piratear coisas na internet é basicamente a mesma coisa que acontece no exemplo que dei acima. Você vai em um lugar, pega algo de graça e depois devolve. Porém no caso da internet você não devolve, fica com essa "cópia" para você. A garotinha do exemplo poderia muito bem xerocar todos os livros que ela pegou emprestado na loja e mante-los em casa. Seria uma cópia inferior à original (assim como livros digitais), mas seria uma cópia. E seria dela. Quem poderia impedir? Isso não é um crime. Seria um crime se ela vendesse o livro xerocado. Aí sim ela estaria prejudicando a industria. Aí sim podemos chamar de (má) pirataria.
2 - Piratear coisas não prejudica a indústria. Quando você coloca uma música na internet você a está divulgando. Do que adianta fazer uma música e deixa-la trancada a sete chaves? Você vai querer que os outros escutem, você vai querer transmiti-la. E não adianta cobrar primeiro para escutar depois. Como vou saber se o preço vale a pena? É por isso que artistas divulgam suas músicas em rádios, TVs, filmes... Se um amigo fala "Ei cara, escute essa música, é muito boa!", e me empresta um pendrive com uma música, ele está pirateando? Não, está divulgando. Irei escutar a música de graça, e pronto. É verdade que posso baixar uma música de graça no computador e nunca comprar o CD original, mas qual a diferença disso para as pessoas que alugaram os livros na biblioteca, leram e nunca compraram? Por que a sociedade condena certos grupos e outros não?
3 - O mito de que caiu na rede é peixe. Game of Thrones só é o que é hoje por causa dos downloads ilegais. A série é produzida pela HBO, e o canal mantém um preço bem salgado. Se não houvesse a internet e sua "pirataria", GoT jamais teria alcançado o sucesso que teve, e por tabela George Martin jamais teria vendido tantos livros. Sendo sincero: baixei todos os livros da saga na internet. Li todos em três meses. Amei. Hoje tenho os livros comprados na minha estante. Estão parados lá, tristes, pegando poeira. Sem ninguém pra ler. Sou definitivamente um daqueles três que compra o livro depois. Mas e agora?
Paulo Coelho é outro que jogou seus livros na internet de graça, e pra minha não-surpresa, seus livros continuaram vendendo normalmente. Ele não teve prejuízo, e mais, hoje ele é o escritor brasileiro mais bem sucedido (é claro que ele já era antes da internet, mas o ato de jogar seus livros na internet não diminuíram seu lucro, mas o fez aumentar).
4 - Como disse, pirataria mesmo é quando um indivíduo pega um produto que não é de sua autoria e o comercializa, para obter lucro por conta própria. Este sim pratica um crime. Este sim prejudica o sistema.
O que fazemos na internet é apenas compartilhar o que gostamos, nada mais.

  O problema das empresas é o medo. Elas tem medo de, algum dia, tudo ser grátis. O medo do comunismo internético. Isso jamais vai acontecer. Sempre terá um ou outro que pagarão para ter o conteúdo 'oficial' em mãos. Star Wars lucrou mais que seus filmes vendendo jogos, bonecos, camisetas, e trocentas outras coisas. Mais que seus filmes. Porque quando você gosta de algo você quer incentivar para que esse algo aconteça. Podemos piratear todas as músicas do artista, mas jamais o deixaremos na mão, nós queremos que ele produza mais. Nós sabemos disso, todos nós sabemos. Então ajudaremos como podemos. Doando para ele, ou comprando suas músicas.
  Não precisa nos obrigar, colocar uma arma em nossas cabeças e nos ameaçar. Nós ajudamos. Só seja mais honesto. Só diga: "Gente, podem continuar pirateando minhas músicas, mas estou com dificuldades aqui, e se vocês gostam do que faço, me patrocinem".
  Pronto. Fácil.
  Há muita gente que não tem condições de pagar. Essa gente tem mesmo que se privar de tal arte?
  Alguém uma vez disse: "Se você ama alguém, deixe-o livre". Pois podemos também dizer: "Se você produziu sua arte, deixe-a livre". O dinheiro virá, se tiver que vir, se for bem feito, e com coração.

  Eu sei que esse é um pensamento difícil para os conservadores. Mas o tempo ruge e coisas novas surge. Não podemos ficar parados. E no futuro, penso eu, toda forma de arte será livre.


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